O Desafio de micorrizas
𝘐𝘯𝘵𝘳𝘰𝘥𝘶çã𝘰:
Micorrizas formam uma das simbioses mais generalizadas do planeta, pois compõem uma interação fúngica e plantas com quase oitenta por cento de todas as plantas terrestres. O mycorrizae residente beneficia de uma parte dos açúcares de carbono produzidos durante a fotossíntese, enquanto a planta acessa efetivamente a água e outros nutrientes, como nitrogênio e fósforo, crucial para o seu desenvolvimento. Essa simbiose torna-se tão benéfica para plantas terrestres que dependem inteiramente da relação para se sustentar em seus repetitivos ambientes. Os fungos são essenciais para o planeta na maioria dos ecossistemas, particularmente em sítios degradados. Por causa da sua importância para um ecossistema produtivo e resiliente, compreender este fungo e suas simbioses é atualmente uma área ativa de pesquisa científica.
𝑵𝒆𝒔𝒕𝒆 𝒅𝒆𝒔𝒂𝒇𝒊𝒐 vamos concentrar no aspeto prático, a aplicação de micorrizas no terreno, a escolha de cogumelos para as diferentes espécies arbóreas e a criação dum caldo caseiro de micorrizas. Para simplificar a abordagem ao vasto mundo das micorrizas, procuramos os cogumelos que crescem debaixo das árvores caducifólias. Quem quer criar uma floresta mais resiliente tem que colecionar estes para fazer um caldo caseiro. Entre eles são muito importantes os Sclorodermas (bolas de terra) e Pisolithos, pois são fungos pioneiros, contribuem ainda mais para a instalação da árvore, contêm uma enorme quantidade de esporos e crescem em tempos mais secos. Da maior importância também é a Amanita muscaria, bem conhecida por seu chapéu vermelho. Este cogumelo liga-se com muitas árvores, mas particularmente com bétulas.
𝑭𝒂𝒛𝒆𝒓 𝒖𝒎 𝒄𝒂𝒍𝒅𝒐 𝒅𝒆 𝒎𝒊𝒄𝒐𝒓𝒓𝒊𝒛𝒂𝒔 é simples. Os cogumelos coletados são colocados num recipiente e triturados. Adicione água. Feito. As respetivas quantidades dependem do resultado desejado, da quantidade de árvores em que se quer aplicar. O caldo deve ter uma cor escura até quase preta. Nem sempre o mais é melhor, mas neste conceito não há preocupações. Pode criar o caldo de micorrizas com os cogumelos frescos, mais envelhecidos. Usa a água de lavagem dos cogumelos e os restos dos cogumelos que é micélio ainda com potencial de replicação, devolvendo para a floresta. Para lembrar: nem apenas os esporos são usáveis, mas também cogumelos inteiros. Num evento, publicado no Público, a associação SOS Arganil pretende realizar uma ação de reflorestação com ajuda de cogumelos. Duas empresas de cogumelos vão participar com uma oferta de cogumelos, provavelmente com sobras da produção.
𝑶 𝒆𝒙𝒑𝒆𝒓𝒊𝒎𝒆𝒏𝒕𝒐 𝒅o 𝑴𝒐𝒗𝒊𝒎𝒆𝒏𝒕𝒐 𝑮𝒂𝒊𝒐: Após os mega incêndios que fustigaram a Serra da Freita em 2016, e no cumprimento de nosso objetivo particular, a Recuperação de Sítios Desertificados, estivemos confrontados com um obstáculo. Os pinhais estavam quase todos completamente calcinados. Para mudar o paradigma e criar uma floresta mais resiliente, tencionamos rearborizar estes espaços com árvores folhosas como, carvalhos, sobreiros, bétulas, medronheiros. Mas como estivemos em frente de uma área pedrosa e pinhal ardido, o solo não continha micorrizas adequadas para árvores folhosas. O tempo urgiu. Realizamos com mais de cem voluntários a primeira plantação. Depois criamos um depósito de água de 28000 m3 acima nesta plantação. Compramos na loja online da empresa "Glückspilze" Mycorrhiza Soluble. Investimos €377. Colocamos as micorrizas no depósito meio cheio e realizamos uma série de regas à manga durante o período primavera/verão 2017. Sempre enchemos as caleiras a ponto de transbordar. Os resultados são excelentes, em seguida as mudas cresceram aceleradamente. Hoje atingem o tamanho de dois metros. Aonde a mangueira não chegou, as plantas são fracas. Apesar disso colocamos mulching à volta das plantas. Na nossa opinião, inocular micorrizas nas bolotas é uma medida pouco eficiente, pois afeta o solo à volta da planta apenas quando esta está mais crescida. Hoje não compramos micorriza, produzimos o nosso próprio caldo.
𝑶 𝒅𝒆𝒔𝒂𝒇𝒊𝒐 consiste em propagar este conceito, convidar todas as associações e projetos que se dedicam às plantações da floresta autóctone em Portugal para aplicaram esta ideia, este conceito sensato. Até deve fazer parte do conceito da Agricultura Sintrópica. Conhecemos plantações feitas com muita empenho (numas participamos) que falharam por falta de micorrizas adequadas. Numa plataforma digital, os intervenientes devem partilhar ideias, fotografias, publicações e experiências próprias entre eles. O acompanhamento científico deve ser feito pelas universidades.
#ZERO
Para saber mais seguem ligações Importantes:
Susanne Simard, How trees talk to each other
Camille Defrenne, Susanne Simard, The secret language of trees
Mycoforestry
Back to Roots: The Role of Ectomycorrhizal Fungi in Boreal and Temperate Forest Restoration
John Dighton, Beneficial fungi in the forest and impacts of pollution
Nemonte Nemquime, The forest is our teacher. Its time to respect it
O pastor Manuel com o seu rebanho nas cinzas
Por Bernardo Markowsky
O pastor Manuel com o seu rebanho de ovelhas no monte, aldeia de Venda Nova, destrito de Montalegre, disse-me: "Tivemos de fugir neste grande incêndio de há poucos dias." Ele faz um gesto vago para a esquerda, em direção à mata. Seu rosto estava deprimido, falava baixinho. "As pessoas daqui suspeitam dum jovem casal, mas eu não acredito nisso. Acho que são os gajos das motocross. Jovens sem nenhuma ligação com a terra."
Passado um certo tempo vi-me perdido na negra floresta e encontrei uma cerca, a porta chamuscada da casa de Manuel. Imaginei-o com o seu cão pastor e as suas ovelhas, bem ali, com as cores vibrantes, como uma montagem num fundo plano e sombrio. Uma imagem poderosa! Vagueei por esta paisagem carbonizada durante hora e meia, antes de encontrar o caminho de volta para o que era vivo; os pássaros cantavam de novo e ouvi a melodia do vento nos pinheiros.
Em Paredes, uma pequena aldeia abandonada, o Sr. Jorge contou-me: "Isto é uma guerra civil em que as vítimas não têm nenhumas armas. Há uns dias estive no Gerês e voltei chocado. Tive que parar o carro por causa de um fogo intenso e vi um bando de jovens corços saindo a berrar para fugir do fogo, cheios de medo, sem as suas mães. Mas o mais terrível foi ver como eles paravam aturdidos e viravam-se a correr para novamente entrarem no fogo, procurando por suas mães. Nunca vou esquecer. Não precisamos de aviões de combate franceses, espanhóis, eu não sei mais quê... Precisamos de leis que proíbam que a terra queimada possa ser vendida. Precisamos de uma investigação criminal eficaz e um sistema judiciário eficaz. Precisamos de um governo com inteligência e acima de tudo: educação e formação para a juventude, repovoar e populações nas aldeias agrícolas. Há uma grande quantidade de terras abandonadas e muito trabalho a fazer."
Será que realmente precisamos duma sociologia sobre incêndios, como me disse um ambientalista? Não sabemos o suficiente desta sociedade em que vivemos? Uma sociedade parada, silenciosa e muda, uma sociedade estacionária, ansiosa, empurrada para uma esquina, uma sociedade muito particular que só se preocupa com assuntos particulares. É dito que cada povo tem o governo que merece. Mas a verdade é que o peixe começa a feder pela boca. Um governo que está ausente nos momentos de perigo por causa de férias invioláveis. Que só sabe apenas lançar pronunciamentos inúteis e absurdos que merecem toda a nossa rejeição.
E nós, o que devemos fazer? Vamos ficar de braços cruzados e cabeças baixas, os olhos bem protegidos com óculos de sol? Significa após o fogo ainda antes do fogo?
O terceiro poder, os jornalistas, os escritores, os fotógrafos devem emprestar a sua voz ás pessoas, que sabem falar muito bem, mas não são ouvidas. Têm de perseguir os líderes com perguntas diretas e insistir em respostas concretas.
Aqui permanece uma pergunta aos cientistas: É possível calcular a emissão de CO2 na atmosfera causada pelos incêndios? Isso seria um caso para ser punido pela Comissão Europeia.
Acho que é urgente formar um movimento ciívico para a vida, que reúna informações profundas, relatos de testemunhos, opiniões e sugestões para combater esta praga dos nossos dias, neste país em que vivemos.
Vila Nova de Gaia, Agosto 2010
Remexer nas Cinzas
por Bernardo Markowsky
Sentado no café na curva da estrada em Covide, Gerês, meu ponto habitual, as montanhas verdes na minha vista, veio-me à memória a primeira vez que ali cheguei há nove anos. Todo o vale a seguir a Terras do Bouro estava coberto por nuvens de fumo. Perguntei ás pessoas à minha volta quem é que tinha posto fogo. Uns sorrisos e encolher de ombros foram a resposta. Vi em cima da montanha um dos montes carbonizado. Hoje sei que isto aconteceu pela razão de terem limpo a mata, hábito nestas zonas de pastoreio.
Uma vez no alto da serra apesar de chover um pastor queimava o mato à sua volta. Por onde passava deixava atrás de si um rasto de fogo e cinzas. Com o guarda-chuva aberto olhava fascinado para o fogo que ateou. Vendo-me chegar quis ir embora, mas depois hesitou, esperou por mim e diz-me que era para espantar os lobos. No dia anterior tinham-lhe comido duas cabras e delas só restavam os badalos. Senhor Jorge abriu a mochila e mostrou-me duas embalagens de iogurte vazias.
“Não sou como os outros que deitam tudo para o chão. Eu cá sou ecológico. Guardo tudo e quando chegar a casa deito no lixo.”
Desta vez pergunto no café quem pôs os grandes incêndios na Calcedónia. A dona do café comenta que alguns pensam que foram os madeireiros. As árvores têm de ser abatidas e assim ficam muito mais baratas. Um homem à minha frente interfere, dizendo que este ano pode ser por causa da vingança contra o parque nacional.
“Como e porquê?” perguntei.
“Proíbem tudo. Não podemos tirar lenha, limpar a mata e até construir naquilo que é nosso. Estas montanhas pertencem-nos, caramba! Agora tem espaço ali para um projecto da replantação.”
Uns dias mais tarde vi-o patrulhar no seu carro por uma estrada batida olhando para a floresta queimada. Pela minha parte reparei, nessas horas do entardecer, as cores de Portugal. Na margem da estrada os fetos meio verde escuro e meio laranja, porque entramos no outono; os pinheiros dois terços estavam pintados de laranja torrada, por estarem queimados e a copa ainda verde. Mas agora foi adicionada uma outra cor: o negro de fundo.
O homem sentado à minha frente é magro, vivo, com um sorriso encantador, no final dos seus cinquenta anos, vestia uma camisa simples com as mangas arregaçadas.
“Porque há em Portugal tantos fogos no Verão?”, perguntei-lhe. Levou as cadeiras para a sombra das árvores, porque nesse dia o vale de Terras de Bouro estava quente.
“É melhor sentar-nos, porque temos conversa para mangas. Tenho de começar pelo princípio”, diz o comandante dos bombeiros, sr. José Dias, inclinando-se na mesa.
“Porque tudo mudou. Tudo mudou e não foi para melhor. As pessoas abandonaram as terras, foram para outros países ou para as grandes cidades, procurando uma vida melhor. Só ficaram os velhos e os que não tinham pernas para andar. Quando voltam já nada os prende à terra. Ninguém, a não ser pessoas como vocês e eu, andam pelos montes. Por causa dos incêndios já não há animais e o gado rareia. Também a natureza mudou em consequência do nosso desenvolvimento desmedido. Este ano tivemos seis ondas de calor, só este Verão foram três. Chego a ter receio da própria natureza com as suas grandes catástrofes. O grande inimigo é o vento de leste. Se ele chega, ficamos em alerta vermelho. Trovoadas secas com fortes relâmpagos que incendeiam as matas secas, cheias de combustível.
“Nestes dias fala-se muito sobre a limpeza das matas. Uma ideia que chega da Europa central, particularmente da Alemanha, onde há certamente florestas bem controladas. Mas fica esquecido, que aqui há um clima e uma natureza bem diferente, mediterrânea, muito mais selvagem.”
“Sim, tudo cresce pujante durante o Inverno, mas seca rapidamente no Verão. Não há hipótese nenhuma, não há. Vemos tudo claro, quando um incêndio é combatido com helicópteros ou aviões. Chegam, deitam água e vão embora. O fogo extinguiu-se, mas ao fim da tarde reacendeu-se, por vezes ainda mais forte. No subsolo as raízes e tudo que é combustível continua a arder. Basta um animal fazer um buraquinho para respirar, uma raiz despontar ou uma pegada dum animal pesado e o fogo emerge. Mas claro, o primeiro inimigo ainda continua a ser a mão do homem. Muitas vezes por ignorância ou negligência, mas são sempre actos criminosos.”
“No parque de campismo da Cerdeira uma das empregadas disse-me, que o fogo em Vilarinho das Furnas tinha sido ateado por um turista zangado por lhe terem cobrado dinheiro para ali entrar.”
“É mentira. Estava muito gente e ainda tentaram apagar o fogo. Mas foi impossível. Começou directamente na grade da entrada, no lado da albufeira. O fogo saltou para o monte, comeu-o todo e quando chegamos meia hora depois já ardia lá no alto. Aí dividiu-se em dois. Para a esquerda além de Brufe e pela direita até à mata de Cabril e Soajo. Depois na antiga aldeia de Vilarinho o fogo chegou de cima para baixo e aí conseguimos defender o espaço verde de carvalhos velhos. No cima da serra Amarela mal conseguimos chegar, o terreno é muito difícil para os nossos carros. Mas defendemos a mata em baixo das antenas e uma grande parte da mata de Cabril.”
“E na Calcedónia? Ouvi falar, que este fogo foi posto por vingança contra o parque nacional.”
“Este fogo foi posto, de certeza absoluta. Começou em cinco pontos diferentes ao mesmo tempo. Qual foi a razão não sei. Este fogo expandiu-se para esquerda até Junceda e para direita até às Caldas de Gerês, quase entrando na vila, assustando a população. A extensão deste incêndio foi causada por diversos erros. Só um pequeno exemplo: uma bióloga proibiu-me de cortar uma árvore que estava a bloquear a passagem da mangueira. Fiz-lhe ver que era preferível sacrificar uma árvore que deixar queimar centenas ou milhares árvores. Ela não entendeu, esperei até ir embora e ordenei o abate. Quando ela chegou mais tarde, aos gritos pergunta-me quem foi o responsável pelo derrube, mas eu só lhe respondi, ‘quer fazer queixa? Apagamos o fogo ou não?’ Apagamos, mas aconteceu um erro ainda mais grave de que eu não fui responsável. Depois de um grande incêndio têm de ir mais pessoas e apagar o lume que ainda arde debaixo do solo. Na estrada tinha ficado só um guarda de vigilância porque todas as corporações estavam concentradas nas Caldas do Gerês. Aí não gostei muito do ambiente que só servia para atrapalhar e fazer ainda mais tenção e nervosismo. Jornalistas, televisão e dirigentes da vila e concelho, todo o circo estava lá. Quando o guarda viu as chamas emergir saltando a estrada alertou mas quando chegaram já foi tarde demais. Eu estava preso com os meus homens e mulheres noutro combate e não podia largá-lo. Gosto de trabalhar com a minha pequena equipa. Com oito, dez ou treze bombeiros e dois carros conseguimos ás vezes melhores resultados que os outros com cinquenta ou cem homens. Todos se conhecem uns aos outros, sabem os seu deveres e há muita confiança e trabalho de equipa. Ainda não perdi nenhum dos meus bombeiros. Temos carros com vinte anos, o nosso carro mais importante é este ali, pequeno e muito viável.”
“Não podemos lutar sempre com a força da natureza. Ás vezes temos de a aceitar e usá-la para a derrotar. Quando as chamas emergem como uma muralha à nossa frente temos de fugir e esperar num outro local onde possamos combate-las. Temos de ser sempre mais inteligentes do que o fogo. Eu estou sempre atento e observo-o constantemente já vai muito tempo. Como correm os ventos na albufeira? O vento da manhã é um vento que cai das montanhas, esbarra na superfície da água e vai na direcção de onde ela corre e esbarra no paredão da barragem. Ali torna-se num redemoinho, o que eu chamo ventos malucos. Foi isto exactamente o que aconteceu em Vilarinho das Furnas e fez uma pequena chama na margem da água tornar-se num inferno. Por vezes o fogo surge quando menos se espera. Estive na guerra em Angola, numas das piores zonas, as dos diamantes e ouro e a maior parte do tempo não sabíamos com quem lutávamos, quem era o nosso inimigo e donde ele aparecia. Só depois do vinte cinco de Abril vi essas figuras, esses rostos, e soube que não eram monstros, por vezes crianças e mulheres. O fogo também tem mil caras, sempre diferentes.”
“Acha que o parque, orgulho de todos nós, está em perigo?”
“Quem criou o parque? Foram as pessoas que lá viviam, com os animais e a natureza. Esta trindade foi perturbada e agora tudo está desequilibrado. Eu vivo na vila do Gerês e metade do meu quintal pertence-me e a outra está integrada no parque, mas eu não vejo qualquer diferença nesta divisão! Uns dos grandes problemas surge com a falta de meios e pessoal. Trabalham actualmente nele menos de 10% das pessoas que antigamente. Outro problema são estes biólogos que acreditam resolver tudo com proibições sem entender que desta maneira estão a perder o suporte e boa vontade da população. Será que eles o não precisam? Enfim, muita burocracia e desorganização.”
“Em minha opinião um grande problema em relação aos fogos é que não haja justiça nem ninguém saiba quem são os culpados e como serão punidos. Sobre o fogo posto na Calcedónia tem qualquer informação de quem o fez?”
“ Isso é com o SEPNA, os verdes. O nosso propósito é o combate ás chamas sem ligar a detalhes criminosos.
No edifício da G.N.R. perguntei se podia falar com alguém deste departamento e indicaram-me um homem gentil que me levou para o seu pequeno escritório. Era uma pessoa muito correcta, expressão muito séria com trinta e tal anos. Quando me apresentei anotou num caderno a meu respeito e ficou algum tempo distante.
“Sr. Jorge Soares, ao contrário do incêndio em Vilarinho das Furnas o fogo em Calcedónia foi posto como me disse o comandante dos bombeiros, José Dias. Já tem provas e suspeitos?”
Aí pergunta-me se conheço aquelas montanhas. Ao perceber a minha paixão e o quanto já as percorri a sua atitude mudou, ficou mais fraternal.
“Em Vilarinho já posso confirmar que foi negligência, na Calcedónia sabemos que foi fogo posto mas não lhe posso dizer mais detalhes, isso está entregue à polícia judiciária. Fizemos as nossas investigações, interrogamos testemunhas, escrevemos o nosso relatório e enviamos para a judiciária em Braga.”
“E vão saber as conclusões?”
“Em princípio não.”
“Acho estranho vocês fazerem o trabalho fundamental e não serem informados sobre os resultados. Sobre os fogos toda a sociedade está a sofrer pela falta de informação e aqui já começa a acontecer. Isto gera suspeitas sem provas, suposições e boatos. Será possível os jornalistas acompanharem todo o processo até ao julgamento?”
“Sim, com certeza! Até concordo que estes processos devem ter toda a clareza na informação para o público.”
“Se os habitantes desta zona formassem grupos de vigilância e protecção com direitos legais e suporte da G.N.R não acha que seria uma boa ideia?”
Sorri pela primeira vez:”Na minha opinião é uma ideia muito interessante. Todas as ideias para evitar este tipo de catástrofe são bem vindas.”
“Tenho reparado que não há vigilância suficiente no parque. O Sr. Dias diz que é por falta de meios financeiros e má gerência.”
“O parque já não existe! Ainda há torres de vigilância mas sem vigilantes, os postos de informação estão encerrados e o senhor director reside em Braga e é lá a sede. Como pode um parque desta vasta dimensão ser dirigido de tão longe?”
“Acha que faz sentido ir a Braga falar com ele?”
“Com certeza que faz muito sentido, vá lá, faça-lhe todas estas perguntas que me fez a mim e depois volte para me dizer as respostas. A alguém como eu, ninguém vai dar respostas.”
A última frase vou passar para a boca de Dona Rosa, habitante de São João do Campo e antiga moradora da aldeia de Vilarinho das Furnas:
”Ontem estive no Soajo e fiquei impressionada. Tudo queimado que até dava dó. Quem ali pegou fogo pode ficar orgulhoso pois fez um trabalho extraordinário.”
27 de Outubro de 2010
Sem misericórdia
por Bernardo Markowsky
Nestes dias ouço muitas vezes estas palavras ditas em relação aos fogos postos.
«Se apanho um destes malditos, vou matá-lo, de certeza absoluta”» disse o meu merceeiro, um tipo verdadeiramente calmo. «E se fosse um parente seu»? –
«Também o matava, sem nenhuma misericórdia.»
Confesso, que também em mim já apareceram desejos deste género, quando vi a destruição, o fim da beleza, do encanto da natureza e enfrentei o dissabor e o cheiro do fim do mundo, causado pelas chamas. Doeu e muito me revoltei.
Com certeza, aqueles que atiçam fogos atuam sem nenhuma piedade e por isso não merecem misericórdia, mas nós, as vítimas merecemos. Os incendiários têm de ser julgados e condenados com a nossa comparticipação, quer dizer, nós temos o direito de ser informados durante todo o processo. Só assim temos a possibilidade de aprender, o que está a acontecer e lançar perguntas.
Os responsáveis devem de entender, que o direito da informação sobre este assunto, que toca a sociedade em si, é um direito fundamental da democracia.
Até hoje temos de sofrer e reclamar a falta dela. E não ajuda em nada, quando o ministro para os assuntos internos à frente das chamas diz que já temos leis suficientes para punir os fogos postos. Leis de protecção dos bens comuns e privados, que não são cumpridas e executadas, pouco merecem os seus nomes, têm mais semelhanças com permissões.
A sentença de morte não está ao nosso alcance, a constituição democrática proíbe-a e com muita razão. Não devemos chamar os espíritos, que ninguém sabe controlar; o excesso e o abuso esperam já. O desejo surge meramente do sentido de desamparo e tem uma ligação muito mais forte com a destruição, do que nós pensamos. Jovens perdidos no labirinto da modernidade têm o mesmo sentido de desamparo. E sentem a destruição à sua volta.
Quarteirões de prédios erigidos num instante como termiteiras, que têm nomes como «Pinhais do Douro», «Jardins da Arrábida», «Encostas Verdes» e por aí fora, fazem-me pensar. Por um lado apontam para o que está banido, por outro lado dão uma instrução secreta sobre a direcção do desenvolvimento, que nós sofremos actualmente. Já para não falar sobre um dos maiores e recentes
escândalos: a construção dum monstruoso hipermercado (o maior da Europa!) no meio dum espaço verde protegido e todas as circunstâncias relativas a isso. Os projectistas, os seus ajudantes, escondidos e conhecidos, os executantes não só ficaram livres e intocáveis, mas além disso com lucro, que tende a desculpar tudo para muitos.
Este caso podia ser, como outros, brevemente branqueado da consciência pública, mas irá ficar inesquecível na escuridão dos rumos e na inconsciência colectiva.
Porém certos gestos de repulsa, da desintegração, como passar por uma floresta na auto-estrada e atirar cigarros acesos pela janela do carro com uma grande gargalhada, como já testemunhei, são pouco perceptíveis e merecem ser denunciados. E não esquecer os montes de lixo deitados frequentemente nas entradas das zonas florestais.
A limpeza tem de ser muito maior, temos de limpar muito mais do que as matas!
Principalmente, como cidadãos somos co-responsáveis!
Vila Nova de Gaia, 1 de Outubro de 2010
Conversa com a polícia judiciária em Braga
por Bernardo Markowsky
O homem que me conduziu para o seu gabinete tinha já um cabelo acinzentado e uma cara muito cansada parecendo adoentado, provavelmente sofria já de burn-out-síndroma!
- Nós temos uma regra de que aqui nada pode ser gravado e nenhum nome mencionado.
- Eu queria perguntar-lhe, depois de ter conversado com um membro do SEPNA, se já têm uma conclusão sobre o fogo posto em Calcedónia. Provas, suspeitos, qualquer coisa que seja possível abrir um caso para ser julgado em tribunal.
- Você está a falar daquilo que nós chamamos, incêndios dolosos. Não lhe consigo dizer nada concreto por duas razões: nessa altura não me encontrava presente porque estava de férias, foi outro colega meu...
- Posso falar com ele?
- Agora estamos na segunda razão: na nossa lei constitucional existe o segredo de justiça e eu não posso revelar nada que ainda esteja em investigação, assim como o meu colega. Falando em geral repare que todas as investigações sobre os fogos são extremamente difíceis, não só em Portugal mas em todo lado. Não só em fogos florestais mas também em fábricas e outros sítios. Não existem impressões digitais e outros rastos. O fogo apaga tudo!
- Mas ás vezes existem testemunhas?
- As testemunhas que se podem usar são aquelas que viram concretamente o incendiário no sítio do crime. Isso infelizmente, raramente acontece. Fora do flagrante delito precisamos de uma confissão por parte do culpado. Por exemplo: este ano em Monção houve um incêndio posto que começou a arder entre as três ou quatro horas da manhã. Tivemos um suspeito e mais tarde verificamos que não foi ele o culpado. Olhe...imagine só o quanto o nosso trabalho é difícil. Temos de apresentar perante o juiz casos completamente explícitos.
- Então em Monção nunca chegou a encontrar o verdadeiro incendiário?
- Por acaso tivemos sorte, mais tarde encontramos o verdadeiro culpado que confessou. Confessou que tinha feito treze incêndios em vários sítios, só este ano! Não sabemos se mais foram feitos pois estes eram os que ele se lembrava.
- Ele é deficiente mental?
- Não verdadeiramente. Trabalhava, conduzia, sabia o que tinha feito. Mas é verdade que tem algumas perturbações. Agora está em prisão preventiva.
- Posso entrevista-lo?
- Vai ter de perguntar nos serviços prisionais.
- Apesar de todas as dificuldades nas suas investigações, nunca me esqueço do que uma jovem mulher me disse na Vila de Souto, enquanto caminhava por uma grande floresta toda ardida: “ Nós em Portugal temos pouco justiça! Os mais poderosos roubam por todo o lado e os mais pequenos vingam-se pondo fogo em toda a parte.”
- Olhe bem, os milagres não existem. Temos vinte cinco concelhos e se em todos eles houver ao mesmo tempo um incêndio não os abrangemos todos. Mas deixe ver, em Cabeceiras de Basto tivemos um culpado, em Barcelos três, em Arcos de Valdevez um e com este em Monção são seis. Destes, dois estão em prisão preventiva e os outros têm de se apresentar em controle semanal. Em meu entender o grande passo para evitar esta catástrofe está na prevenção. O que escreveu no manifesto do seu movimento expressa muito bem aquilo que precisamos urgentemente de fazer como: falar com as pessoas, informa-las, envolve-las na luta contra os fogos, criar uma cultura de respeito para com a natureza. Isso irá ajudar-nos inclusive a encontrar mais testemunhas destes casos, porque as pessoas escondem mais do que aquilo que sabem. Os culpados estão misturados na sociedade.Gostaria de explicar algo que é muito importante do meu ponto de vista. Mas não sou nenhum engenheiro.
- Por detrás da nossa vista e entre os nossos ouvidos temos a cabeça e lá dentro um cérebro para pensar por nós próprios.
- Em Portugal está mal concebido o ordenamento florestal. A maior parte são florestas de pinheiros e eucaliptos que facilmente ardem e isto repete-se desde muitas décadas. No sentido económico não faz mais sentido porque tudo desaparece.A grande luta continuo a dizer está na área da prevenção. Esse é o papel determinante!
Na despedida ele disse-me o seu nome mas não poss o vou revelar.
2 de Novembro de 2010