Prometeu roubou o fogo
Uma contemplação aplicada
Prometeu roubou o fogo de Héstia e deu-o aos mortais. Zeus que temia que os mortais ficassem tão poderosos quanto os próprios deuses, teria então punido por este crime, deixando-o amarrado a uma rocha por toda a eternidade enquanto uma grande águia comia cada dia o seu fígado – que crescia novamente no dia seguinte. Héstia, da qual Prometeu tinha roubado a chama, era a personificação da moradia estável, era adorada como protectora das cidades, das famílias e das colónias. Sua chama sagrada brilhava continuamente nos lares e templos.
Todas as cidades possuíam o fogo de Héstia, colocado no palácio onde se reuniam as tribos. Esse fogo deveria vir directamente do sol. Sempre fixa e imutável, Héstia simbolizava a perenidade da civilização. Em Delfos, era conservada a chama perpétua com a qual se acendia a Héstia de outros altares.
Recentemente foi descoberta uma gruta com vestígios dos primeiros povoadores do território português datados de há quatrocentos mil anos. Encontraram ferramentas da cultura Acheulense (utensílios bifaces de pedra) e ainda ossos queimados que sugerem um uso controlado do fogo. Quer dizer que o mito de Prometeu tem a sua base real pelo menos quatrocentos mil anos atrás.
É curioso que Prometeu, traduzido de grego, significa antevisão. Algo considerado indispensável para diminuir perigos iminentes. Antevisão, aplicada às circunstâncias e à realidade em Portugal exige uma visão clara da gestão da floresta portuguesa. Os últimos sinistros incêndios florestais do Verão 2016 ensinaram algo? Pêlo menos queimaram as cortinas. Está à mostra toda a negligência de décadas, todos conceitos errados, tanto na serra, como no âmbito político. Qual seria a lição a ser aprendida?
1) Em regiões vulneráveis como a Serra da Freita é preciso conceitos de combate aos incêndios florestais, que incluem tanto medidas preventivas como o monitoramento de riscos, a organização dos serviços de combate ao incêndio e a melhorar as infra-estruturas. Cuidado, estes conceitos resumindo em planos de gestão, têm de ser realizados no terreno. Isto não viu acontecer.
2) A floresta não é um campo de lavoura. Quem pensa em floresta, tem de pensar numa dimensão mais ampla. Mas certamente, se colhe o que se semeia. Quem planta floresta mista, planta uma floresta mais resiliente e sustentável, planta oxigénio, frescura, planta chuva e retenção de água, estabelece assim um fluxo de água estável, planta enfim um solo rico e húmido.
Quem planta eucaliptais, planta monocultura seca, não planta habitat nenhum para animais selvagens, planta solo pobre, planta enfim incêndios. Temos de recordar que o eucalipto contém um óleo tóxico e altamente inflamável, temos de relembrar que esta espécie é um pirófito activo, uma planta que não só tolera o fogo: “Algumas árvores e arbustos tal como o eucalipto da Austrália, encorajam mesmo a dispersão dos fogos, ao produzirem óleos inflamáveis, e são dependentes da sua resistência ao fogo que impedem outras espécies de árvores de invadirem o seu habitat.” Fonte: Wikipédia. Temos de recordar que esta planta tem a sua origem de lado antípode de mundo, num ambiente extremamente quente e árido. Implantada em enormes extensões, muda o microclima, o clima local e regional, criando sucessivamente o ambiente da sua origem.
3) Temos de acabar com a ideia que a floresta nos dá tudo de graça de modo “ninguém toca em que é meu, nem mesmo eu”. Precisa investimento, ideias novas e empenho para mudar o paradigma.
4) A economia florestal depende dum mercado funcional e aberto. Um mercado dominado pêlos monopólios de celulose não é flexível, nem equilibrado ou justo. Para criar alternativas economicamente sustentáveis precisa-se incentivar estas alternativas. Apesar que uma floresta benigna tem o seu próprio valor económico como espaço-alvo de turismo, de lazer, de bem-estar e cura de diversos males, a questão, como este valor podia ser dividido com os donos deste espaço natural, deve ser contemplado.
5) Precisa estabelecer regras, controlo e fiscalização. Por isso precisa-se dum regime de guardas-florestais, seja municipal, comparável da polícia municipal, seja da outra forma. Tanto como nenhuma igreja não pode funcionar sem pastores ou sacerdotes, a gerência da floresta não pode funcionar sem guardas florestais. Os sapadores florestais que o estado está a incentivar como um substituto, são funcionários sem poder de fiscalização.
6) Precisa possibilitar o combate local aos incêndios com quites de combate, acompanhado com treino e controlo dos bombeiros pelo menos uma vez por ano.
7) Precisa-se de contornar o crescendo analfabetismo ambiental.
8) Temos de realçar que fazemos parte de um ecossistema global, que está se alterar rapidamente, mas não para o seu melhor. Incêndios florestais, particularmente da dimensão como em Portugal, são motores da mudança climática.
Desde 2012 trabalhamos na Serra da Freita, plantamos árvores caducifólias nativas, efectuamos sementeiras com bolas de sementes, realizamos anualmente eventos da vigilância florestal. Desde 2014 estamos a trabalhar em sintonia com o Baldio da Ameixieira na pessoa de Eduardo Oliveira, presidente desta associação de compartes. Escolhemos os sítios de plantações através duma leitura estratégica. Foram realizadas limpezas de mato e abertura de covas com escavadora. Realizamos como parceiros de Movimento Matéria Prima, que arranjou uma quantidade de sementes gramíneas, uma série de sementeiras à mão desde os meados de Outubro de 2016, para combater a erosão pós-incêndio. Esta medida, contestada por alguns especialistas e incrédulos, mostra agora o seu efeito positivo neste Baldio, abaixo do estradão que liga os Viveiros da Granja ao Merujal e ao lado de vários outros caminhos. Em alguns sítios onde as sementes não bastavam, a terra está a cair. Efectuamos uma série de limpezas, corte de troncos queimados de pinheiros com seis anos – altura dos incêndios anteriores – que foram empilhados em faixas laterais como medida anti-erosão.
Realizamos uma série de plantações com centenas de voluntários. Estamos a criar uma comunidade de plantadores que inclui pais com suas crianças muito jovens. Plantamos, desde de Outubro 2016 cerca de 18 há, que corresponde a 18 campos de futebol – contendo três hectares no planalto, Baldio de Albergaria da Serra, com uma grande variedade de árvores de folha caduca. O último evento de plantação, que foi largamente acompanhado pêlos meios de comunicação social, nomeadamente péla RTP1 e JN, contou com aderência de mais de 100 voluntários internacionais. Não falando ainda dos trabalhos de limpeza, sementeiras e plantações nos anos anteriores, no Baldio de Souto Redondo, pois este esforço está completamente perdido devido aos incêndios e falta de interesse desta Associação de compartes. Criamos um viveiro local para dar continuação às futuras plantações. Mudas de folha caduca, criadas perto do sítio da sua plantação no terreno, são muito mais adaptadas às condições climáticas que vão enfrentar e além disso, evitam custos e a poluição de transporte.
Uns dizem que vão ser oito anos até um próximo incêndio arrasar mais uma vez a Serra da Freita. Levando isto a sério, temos de criar condições de precaução. Está em preparação a construção de três tanques de água de grande dimensão com conexões para abastecer mangas de incêndio e sistemas de rega gota a gota.
Vamos aplicar um adube particular com efeitos de longo prazo para acelerar o crescimento das árvores. Em nossas plantações estamos a criar faixas verdes de defesa contra-incêndios com bétulas, plantadas mais juntas. Estamos projectar charcos nos sítios de plantações para aumentar a humidade de solo e aumentar a biodiversidade. Abrimos valas segundo as linhas de nível e escavamos poças para criar um sistema de rega péla gravidade. O baldio deve possuir uma trituradora profissional, uma ferramenta valiosa para processar e usar biomassa em vez de a queimar. Colocado à volta das árvores plantadas, pode substituir o adube químico. Estas medidas e todos os nossos esforços, torna o Baldio de Ameixieira num baldio exemplar, mostrando o que é possível acontecer. Precisa-se resiliência para criar uma floresta resiliente. Precisa-se amor para a criação. Precisa-se trabalhar em sintonia, como as árvores duma floresta nativa, que competem para a luz de sol, mas que são ligadas e se suportam umas às outras no subsolo.
Evidencio aqui o conceito da árvore mãe, a árvore mais antiga e mais forte que um sábio nunca abate, porque sustenta através do sistema radicular e seu entrelaçamento com fungos, as chamadas microrrizas, faz que todas as árvores jovens beneficiam do seu apoio.
Envolvemos o agrupamento das escolas de Arouca que nos acompanham com eventos de bolas de sementes e criação de bandeiras de prece, estendidas na Serra da Freita nos sítios de plantações como sinal da presença, apoio e protecção espiritual. Tudo, quase tudo depende de envolvimento das novas gerações, pois são elas como no âmbito da árvore mãe, o alvo e os beneficiários de nosso trabalho altruístico. Curiosamente, de todas as espécies, as mais afectadas pêlos incêndios, são os insectos. Aves e mamíferos têm um sistema de alerta prévio, que deixa-os fugir na maioria dos casos. Borboletas, abelhas e vespas não. São queimadas ou morrem pêlo fumo. Mais, os insectos colocam os ovos nos troncos, ramos, folhas de erva e buracos no chão. A futura geração dum vasto número das espécies morre num incêndio, tanto com as flores silvestres que podiam atrair e alimentar imigrantes das regiões poupadas. Por isso propomos eventos de bolas de sementes com espécies de flores silvestres para atrair e alimentar os insectos polinizadores.
Mas temos de ser apoiados, milagres já fizemos os suficientes.