O João a montar lenha queimada



se desenvolve e a sua relação, com a realidade da sociedade. Pensei para mim: antigamente era tudo melhor. Um resmungar típico dos velhos, aceito, mas neste caso, na minha juventude, os estudantes tinham tempo para experimentar um ou outro caminho, mudar as suas ideias e conceitos até encontrarem algo que lhes servia. Hoje em dia estão logo metidos numa espécie de armadilha que assusta e aperta o pescoço: e depois, e depois, aonde vai a onda que tenho de aproveitar? Quando João disse: “A ciência deve funcionar como uma padaria. Deve criar o que tem procura” interrompi:

"Desculpem, mas não concordo”.

“Então, porquê?” disse João, endireitando-se.





A Verónica a plantar faias com um amigo do VO.U.



“Acho que a ciência deve procurar algo desconhecido, algo longe dum alcance imediato e consumível de repente. Este tipo de ciência sempre existiu, e ainda existe, mas está a ser marginalizada. Conhecem por exemplo o conceito GAIA, desenvolvido pelo James Lovelock, um certo cientista”? Entretanto, o Manuel Trindade chegando à nossa beira acrescentou:

“E Lynn Margulis… para não esquecer esta cientista que deu um contributo forte neste conceito, que considera a terra um super organismo que se regula e mantém propriamente. A terra como uma totalidade, com toda a matéria nela, viva ou não viva, gere o planeta duma maneira que continua a sustentar a vida em circunstâncias mais ou menos óptimas.”

“Um filósofo alemão disse: é muito mais provável que nada exista do que algo exista. Ninguém está capaz de definir a vida, apesar de todos esforços mantém-se simplesmente um milagre” revelei.

James Lovelock expressa isto desta maneira: "Life on Earth was thus an almost utterly improbable event with almost infinite opportunities of happening. So it did." - A vida na Terra foi assim um evento quase totalmente improvável, com quase infinitas oportunidades de acontecer. Assim fez.

“Atribuem à natureza uma forma de inteligência?” perguntou Verónica.





Manuel (o segundo à esquerda) numa conversa com João, Gilberto e Eduardo.



“Uma inteligência inconsciente, talvez” disse Manuel.

“Este conceito foi na altura, em que surgiu, fortemente contestado, como tudo o que é novo. A objeção geral era que conceito Gaia não tem qualquer prova científica e na prática. Os defensores investiam um bom tempo nisso e conseguiram uma séria de provas. Mas temos de tomar em conta que o superorganismo terra é algo altamente complexo. A biodiversidade, como sabem, essencial como chave da vida do futuro, é apenas uma subdivisão desta complexidade que abrange a composição química do ar, dos mares, da superfície rochosa da terra, a composição bioquímica dos seres vivos e por aí fora. Os mecanismos como o superorganismo se auto-regula são largamente desconhecidos. Mas há fortes índices de que o faz."

Continuei: “Olhando à volta, podemos considerar esta serra com as suas montanhas, vales e o planalto com as nascentes, um organismo. Esta encosta onde estamos é o lombo, os riachos veias, a vegetação parecem pêlos finos, a floresta cabelo. Tudo tem a sua razão de ser, tudo está conectado, contribui para a vivência da serra como um todo.”

“Você tem que olhar para todo o sistema, não apenas alguns pedaços dele”, avisa Lovelock.

“Certamente, mas em contrapartida temos de dar importância às partes dum organismo. Se uma parte, um órgão central está fustigada sem remédio, vai morrendo, e pode deixar morrer o organismo. Algo parecido se aplica no superorganismo terra. Acho que ninguém vos ensina estas coisas”, disse. “A ciência quotidiana corre o risco de ser estéril. Pois sim, precisamos aprender as boas práticas como fazer um pão saudável e saboroso, temos de aprender a plantar árvores, sabendo quais e onde. Mas também precisamos de cientistas que saibam levantar por vezes a cabeça, olhando à volta e mais longe, onde a ciência e sabedoria se encontrem.”

Continuamos a plantar, num ritmo acelerado.



No fim da plantação os estudantes do grupo V.O.U. partiram de autocarro, os restantes voluntári@os reuniram-se no café de Santa Maria de Monte para partilhar uns petiscos e conversações.

Na minha frente estava um casal de Santo Tirso. Foi o filho deles que os incentivou a vir a esta plantação. Olhei para ele que tinha um ar intelectual, os olhos atrás duns óculos rendondos faiscavam, mas ele mantinha-se calado, apenas acenou. Foi-me apresentado: “É o Miguel”. Ao seu lado estava um outro jovem. Lembrei-me que os tinha visto sempre juntos durante a plantação. “Teu irmão?” perguntei. “Não, é o meu amigo Francisco.” Este tinha uma expressão muito séria, sentado direito, olhando em frente. Miguel fez um sinal dando-me a entender que o seu amigo queria falar comigo. Virei-me para ele: “Bem, diz lá.”

“Eu gostaria de saber qual é o vosso conceito, a vossa ideia acerca do eucalipto.” Encostei-me na cadeira: “Ok, o que vocês acham? Ensinem-me.” Enquanto eles hesitavam, quem começará, pedi ao Miguel para avançar.

“Eu acho,” e ele olhou para seu amigo, “que o eucalipto prejudica a terra, exigindo muitos nutrientes, água e assim secando o solo, não deixa outras espécies se desenvolver à sua volta, não alimenta a fauna. Propaga os incêndios através das suas folhas que se transformam em fagulhas e dos grandes plantios da monocultura. Contudo é uma espécie preocupante, nem da nossa terra, uma invasora pouco considerável para a nossa floresta.”

“E tu, o que achas?” perguntei ao Francisco.

“Acho o eucalipto uma espécie importante para o país. Economicamente, mas não só. É a base, a matéria-prima para a indústria de papel, um produto que todos precisamos. Dá remuneração para os pequenos proprietários florestais e para os madeireiros, dá emprego para os trabalhadores nas fábricas desta indústria. Acho uma espécie sustentável, que está a ser replantada constantemente e os plantios de eucalipto são melhor tratados e cuidados, do que os matos incultos. Considerando uma espécie invasora que se propaga facilmente pelas suas sementes, é essencial que as maiores empresas que têm os meios, tratem os eucaliptais”





Francisco e Miguel, os dois amigos



Que interessante, pensei. Estes dois amigos chegados têm, num assunto essencial a respeito da floresta portuguesa, posições completamente opostas.

“Francisco, para começar, tu estas a usar a palavra sustentável que se refere ao conceito da sustentabilidade.” Ele acenou. “Mas este conceito tem por base três pilares da sustentabilidade. Estes três pilares são indispensáveis. Se falta um deles, algo em questão, uma indústria, seja o que for, não pode ser considerado sustentável. O primeiro pilar é a sustentabilidade económica. Acho que no caso da indústria de celulose, aplica-se. O segundo pilar é a sustentabilidade social e aqui já se levantam, no meu ver, fortes dúvidas. O que a sociedade portuguesa ganha com o eucaliptismo? A sociedade entendida como inteira, incluindo nós, os teus pais, o teu amigo, toda a gente, nem apenas uma fileira estreita. Da nossa própria experiência no terreno posso confirmar que os eucaliptais propagam os incêndios. Os custos de combate, insuficiente ou quase impossível nestas extensões de eucalipto, pagamos todos. O engenheiro Victor Louro publicou recentemente o livro “A floresta em Portugal, Um apelo à inquietação cívica” em que fez a conta: nos últimos vinte anos o estado português gastou em média duzentos milhões euros anuais no combate dos incêndios florestais. Duzentos milhões em cada ano! Pagos pelos contribuidores de impostos, cada um de nós.

O terceiro pilar é a sustentabilidade ecológica. Para nós, os plantadores da floresta nativa, é o pilar mais importante, pois é constantemente negligenciado e desvalorizado. Este pilar parece mais um fio, mantido por poucas pessoas. O mar de eucalipto que inunda a terra portuguesa pode ser tudo, menos ecologicamente sustentável. Olhem para fora!” apontei para a paisagem em direcção de Arouca. “Está tudo negro por causa dos incêndios. Podem lá passar de carro e ver durante horas apenas eucaliptos, grande parte queimados. Esta indústria não está a ser fiscalizada pelos estragos que causa.”

Os pais do Miguel levantaram-se, estendi as minhas mãos num aperto e os dois jovens despedem-se num até breve.


Deixo em baixo um desenho que explica a sustentabilidade sistémica, um conceito que chama atenção para todos os aspectos que dizem respeito a sustentabilidade.








O conceito da sustentabilidade sistémica, explicado neste desenho



Habitamos um planeta vivo, em constante processo de transformação, agora agravado por múltiplos eventos de caos climático, stress financeiro, agitação social e reconsiderações ideológicas. A nossa casa está contaminada, a borda do desequilíbrio e da pele não tem a necessária vegetação verde para a vida e devemos agir com determinação, coragem, intensidade e rapidez para reverter as ameaças que nos afectam.

Ser atentos e observadores do comportamento da natureza permitiu-nos agir a partir da ciência ambiental, comprometida em restaurar solos e vegetação e criar as condições para o desenvolvimento de massa de árvores novas com base em uma simples bola de barro misturado com sementes. Encapsular sementes em argila tem um alto valor simbólico: o enorme poder da ecologia, simples social, a capacidade de criar vida como parte da responsabilidade de deixar aos nossos descendentes um planeta habitável contra o desafio incontornável dos tempos.
Acreditamos que a juventude de hoje deve ser a principal interessada na maneira como a humanidade utiliza e transforma o meio ambiente, afinal de contas os políticos e empresários, que actualmente vêm tomando as decisões de grande impacto
ambiental, dentro em pouco já não estarão mais aí. Há, portanto, a esperança de um futuro próspero ou catastrófico. Tudo vai depender do que os jovens fizerem no presente.